Personagens

Acho que 2 meses morando juntos bastaram pra entender que nós demos um passo maior do que as pernas. Nós eramos diferentes, claro. Mas a gente tentou ignorar tudo isso e seguir em frente. Nos conhecemos há uns 4 meses, em um almoço de aniversário de uma prima minha, amiga dela. Prima essa que nada tem a ver comigo mas que tem tudo a ver com ela. Eu fazia o churrasco com outros primos. Minha prima e seus amigos, incluindo ela, pareciam estar em um universo paralelo. Avulsos, em suas mesas, com mãos que desgrudavam dos aparelhos de celular e eventualmente davam risadas mostrando os aparelhos para os outros 5 ou 6 na mesa. Eu preferia apenas fazer o churrasco e xingar a cada gol que o Flamengo perdia ou tomava.
Mas o álcool, amigos, ele age da mesma forma em todos nós. Ébrios, não importa quem sejamos ou qual seja nosso berço, somos todos um povo só que é norteado pela desejo e liberdade. E foi assim, ébrios, que já a noite, a gente conversava, a gente ria, a gente se abraçava, a gente se beijava.
No dia seguinte eu acordei com a mensagem no meu Nextel: “sério que vou ter que só te mandar sms?”. Ainda não entendo esse povo que prefere ter celular caro enquanto eu prefiro ter meu carrinho. Escolhas, né? E assim a gente foi trocando mensagens de texto. E assim 2 dias depois ela voltou, na segunda vez na vida, a Rocha Miranda, meu bairro, pra se encontrar comigo. Isso, claro, seguido de uma reclamação dela dizendo que é longe e eu a tranquilizando dizendo que a deixaria no metrô depois. O fim de semana já passamos juntos. Rodízio, cinema, motel. Na outra semana também. Não havia dúvidas: estávamos namorando. E se gostando, mesmo tão diferentes. E essa diferença que deixava tudo tão interessante.
Nunca entendi bem a profissão dela. Disse ter cursado artes cênicas e jornalismo mas que trabalhava escrevendo textos para sites. Eu vendo peças de carro. O importante é que ela acabara de ter um novo cliente e que, assim, não precisaria mais dividir apartamento com outras 3 jovens, uma delas a minha prima.
E foi assim que depois de 2 meses que nos conhecemos nós fomos morar juntos. E não foi planejado. Eu já ficava tanto tempo na casa dela (até por ser mais perto de meu trabalho) que quando dei por mim lá eu já morava também. As primeiras semanas foram maravilhosas. Aos poucos eu fui perdendo a sensação de não ser do mesmo mundo que ela. Mas, talvez, eu estivesse me enganando. Também os poucos, fui me sentindo mal. Aquilo ali não era meu lugar.
O problema não era ela fumar Lucky Strike mentolado e eu, já parando de fumar, ficar no Free azul. Muito menos eu preferir a geladeira cheia de Skol e ela preferir apenas Stella Artoir. O problema era o conjunto, o todo, o contexto. Era começar a reclamar de cada mensagem que eu mandava com erro ortográfico pra ela. Era xingar quando eu colocava a rádio do carro na FM o Dia no volume máximo. Dizer que eu não precisava só usar camiseta regata. Enquanto existia tolerância na diferença, a coisa andava. Sem essa tolerância, não dava mais. O que era uma maravilha se tornou uma tortura.
Preferi não mudar. Não preciso. Sou feliz por aqui mesmo, desse meu jeito. E não tenho dom ou talento pra não ser quem eu não sou. Afinal, quem interpreta papéis é um ator. Melhor fechar a cortina mesmo sem público aplaudir e sair de cena, porque única atriz nesse palco era apenas ela.

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