Quem é ela?
Por diversas vezes na vida eu já parei
e me perguntei "onde eu fui amarrar meu bode?". Sim, em
especial na minha vida amorosa, fui sempre um especialista em me
meter em grandes ciladas e situações nada divertidas, pra não
citar aquelas ocasionalmente extremamente desagradáveis e
decepcionantes. E este parecia ser mais um desses dias. Eu, como
sempre, queria bar. Ela queria cinema. Por me recusar a assistir
qualquer comédia nacional tendo que pagar por isso, chegamos então
a um consenso: vamos ao teatro. E lá fomos. Nada adiantou fugir de
uma comédia nacional nas telas se no palco me deparei com algo bem
similar, talvez com boa parte no mesmo elenco que estava no filme que
recusei. Mas agora já era e ali estava. Um bom lugar, uma boa visão
e não posso negar que era uma companhia, principalmente por ser o
terceiro ou quarto encontro nosso. No começo é tudo mais fácil,
afinal.
Mas mesmo com o corpo ali, eu não
consegui prestar atenção na história contada e nem mesmo esboçar
risadas sinceras. Meus olhos se voltaram a uma atriz, que mesmo sem
tantas falas, estava sempre no palco. E com ela, o meu olhar
constante. Não era admiração pelo talento ou pela beleza. Era por
pensar o tempo todo "esse rosto não me é estranho". A
peruca cor-de-rosa talvez estivesse me atrapalhando a lembrar, eu
pensava, mas eu tentava de toda forma saber de onde eu a conhecia. E
tinha certeza, e estava certo, que não era da televisão que eu a
conhecia.
Fim de peça, cortina fechada, nós
vamos embora, me despeço de minha companhia tão logo ela entra no
táxi e eu pego um ônibus para casa.
Ainda sentado no ônibus, busco no
celular as informações sobre a peça só pra ver o elenco. Tudo que
encontro a princípio é apenas os nomes dos três atores já famosos
que lá estavam e nada mais. Droga, continuarei com essa dúvida na
cabeça.
Algumas semanas se passam e aquela
minha companhia possivelmente já está com outro par, provável
alguém que tope ir ao cinema com ela. Melhor assim, não ia pra
frente mesmo. Vou vivendo e, de vez em quando, a dúvida volta à
minha cabeça: quem é ela?
Resolvo buscar informações novamente
sobre tal espetáculo. Novamente sem sucesso. Nenhum site informa os
atores. Que bosta! Como assim uma peça tem uns 10 atores e só citam
3? Resolvo buscar algo no Facebook sobre... algum grupo, alguma
página... não sei.. qualquer novidade será bem-vinda. Bingo! Uma
página sobre a peça, com uma única foto, de seis semanas atrás,
anunciando a estreia e nesta foto, uns 15 nomes marcados. Vou olhando
nome a nome e vendo a cara das pessoas. Reconheço alguns: o cabeludo
baixinho, o negro de uns 2 metros, a senhora que parece minha tia
Ivone... e ela, está ali: Tatiana. Sem sobrenome, todas informações
fechadas em seu perfil, mas tem o nome dela, uma foto em preto e
branco de seu rosto e uma foto de um palco na capa. Um total 0 amigos
em comum e com todas as fotos fechadas. Droga, mesmo com seu nome,
não consigo lembrar dela. De onde conheço Tatiana? Quem é Tatiana?
Quer saber? Nada tenho a perder. Vou
ver novamente esta bosta de peça (quer dizer, tinha sim a perde:
mais R$35).
E lá fui, sentado outra vez próximo
ao palco, vendo todo o espetáculo e olhando Tatiana. Nada da minha
memória conseguir lembrar. Quer saber? É melhor deixar pra lá. Não
preciso esquentar a cabeça com isso.
Acaba o espetáculo e, já que estou
aqui neste shopping, melhor fazer algo que faço bem: beber. São
10:30 da noite e talvez dê pra beber uns 2 ou 3 chopes pra relaxar a
mente e tirar essa maldita fixação em descobrir quem ela é.
Primeiro copo: não consigo fugir dos
pensamentos. O rosto dela, a voz dela, o olhar dela. Tudo me soa
familiar.
Segundo copo: continuo pensando.
Terceiro copo: tudo ia pelo mesmo
caminho, mas quando estou na metade do copo, ela passa por mim, vem
sorridente ao meu encontro, me chama pelo nome, me abraça e diz que
adorou quem eu tenha vindo, novamente, assistir. Pergunta sobre mim,
pergunta sobre dois amigos, pergunta sobre minha mãe (!!!) e sobre
meu atual emprego. Fala-me sobre ela, sobre o teste, sobre os sonhos
realizados, sobre o fracassado namoro com o diretor da peça e todos
a tensão para a turnê nacional que o espetáculo deve ter. Vão aí
mais uns 3 copos de conversa. E a todo momento eu tentando fingir que
me lembrava dela. Não teria a mínima coragem de perguntar “de
onde a gente se conhece mesmo?” e infelizmente mesmo com tudo o que
ela falou, tudo só ficou pior.
Vamos embora, trocamos telefone para
continuarmos nos falando no whatsapp e lá nosso papo segue até a
hora de dormir, quando ela me chama para voltar amanhã, após a
peça, pra gente conversar mais. Respondo: “Ok, claro que vou! Boa
noite”. Tão logo isso acontece, vou correndo perguntar aos meus
amigos sobre quem é ela. Um não responde. Outro manda um “hahahaha
como assim você não lembra da Tati? Hahaahaha” eu insisto a
pergunta e ele prossegue como muito “hahahha” “kkkkkkk” e
imagens de humor que caras carrancudos como eu não conseguem esboçar
um mínimo sorriso de canto de boca. Maldição, já marquei de
reencontrá-la e ainda não sei quem ela é.
No dia seguinte, a noite não termina
nos chopes e sim no quarto dela. Nem mesmo essa casa me é estranha.
Mas dane-se isso, estamos a sós aqui e vamos viver o presente. Que
fique no passado o passado porque o que importa é esta noite. E que
noite.
Estas noites quentes se repetem por
semanas e mais semanas. Desisti de tentar lembrar do passado, até
porque essa Tati de hoje é simplesmente um par sensacional para mim.
Até que chega a hora da peça ir em turnê. As nossas noites após
espetáculo vão deixar de existir porque ela estará longe. E será
longa essa turnê. Pelo o que conheci dela (ao menos nesta segunda
vez), ela fez o que imaginei: querer se afastar de vez para não
sofrer já que ficaremos longe e não e teremos mais tanto um ao
outro. Mas não, ela nunca admitiria que é por isso. Então,
faltando horas para ela viajar, ela disse que não queria mais nada.
Perguntei o porquê e ela disse “você é muito diferente do cara
que conheci no passado”. Apenas pensei “quem me dera poder opinar
se você mudou ou não, se está igual ou diferente... porque nem me
lembro como você era antes”.
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